"CIDADE DO PECADO"

AUTOR DESSA HISTÓRIA:  EMÍLIO CONDE  Livro:  "Nos Domínios da Fé"
 Forçado por imperiosas e várias circunstâncias, "BOM-SENSO" ausentou-se da cidade em que vivia exilando-se em país distante, sem jamais esquecer os seus queridos e sentindo profundas saudades do lar. Passado muito tempo as saudades aumentaram. O desejo de rever o seu povo andar no temor de Deus tornou-se muito forte e Bom-senso resolveu voltar à cidade em que antes mo­rava.
Quando chegou às portas da cidade, estremeceu sem saber porque. Pensou que tal estremecimento fosse o efeito produzido pela comoção que sentia ao regressar ao lar, depois de grande ausência, e não deu maior im­portância ao fato. Ao penetrar as primeiras ruas da cidade, sentiu nova e estranha sensação, mas levou tudo à conta de um sentimento passageiro que breve se des­faria.
Continuou sua marcha para dentro da cidade. Ao encarar com um tal Loquaz, representante do povo, notou que não só Loquaz, mas todos os habitantes o olhavam como um ser estranho e inimigo.
Bom-senso conhecia as ruas e as praças. Tudo ali lhe era familiar, mas os habitantes não eram os mesmos. Os costumes estavam mudados. As maneiras do povo estavam em contraste com a antiga lei de Deus e ofen­diam a justiça divina. As grandes casas de negócio pos­suíam novos nomes e os artigos agora eram diferentes.
Procurou alguns amigos que temiam a Deus, os quais haviam ficado na cidade quando ele partiu, mas que surpresa, uns haviam sido presos e outros expulsos. Um deles, a Justiça, num dia de remarcada loucura, quando o povo ouviu um discurso de um chefe de quar­teirão que se chama Ódio, foi amordaçada, e levada à praça pública e ali despojada de sua balança que pe­sava e julgava com retidão. Desde então ninguém mais a viu exercendo atividade.
Outro amigo de Bom-senso, a Verdade, teve que lutar com um tal Trapaça que tinha a seu serviço todos os servos de Engano. Em razão de os habitantes have­rem seguido a Engano, a Verdade também se ausentou da cidade.
Para Bom-senso tudo era muito estranho. Pessoas desclassificadas e vis que outrora viviam segregadas à sociedade, trancafiadas nos calabouços, por serem ele­mentos perigosos e inimigos de Deus, agora desfruta­vam muito prestígio, eram os grandes e respeitáveis ne­gociantes da praça, expondo suas mercadorias com tanta manha e técnica diabólica que vendiam arsênico por sulfas, a morte a troco de prazer, sem que alguém ousasse denunciá-los. Com a partida de todas as autoridades ho­nestas e que temiam a Deus, o campo ficou aberto a toda a sorte de aventureiros e inimigos do Senhor.
Foi assim que Bom-senso, quando procurava seus amigos, encontrou estabelecidos na cidade os agentes do inferno.
Em um dos bairros mais populosos, encontrou uni grande estabelecimento que pertencia à Concupiscência e cujo negócio era muito próspero. A freguesia era grande. Toda a cidade comprava essa mercadoria, e quanto mais vendia, mais encomendas recebia, pois ha­via agradado à turba sem Deus., Como já falamos, ódio também possuía seu negócio, tão próspero como o de Concupiscência, tendo ainda a vantagem de ter filiais em outras cidades.
A Vingança, que tantas vezes fora escorraçada da cidade, agora desfrutava grandes privilégios na socie­dade local. Sua casa era vistosa, sua mercadoria exposta com muita astúcia; possuía a aparência de verdadeira, e muitos faziam uso dessa miséria.
A Soberba, que outrora não era tolerada nem mes­mo nos palácios, instalou-se numa das ruas principais da cidade, e não havia habitante algum que não esti­vesse contaminado por essa chaga, e que não ostentasse objetos comprados ali.
Bom-senso teve sua atenção voltada para o enorme magazine existente na Grande Praça da cidade. Quan­do se aproximou, vendo o copioso número de mulheres ali reunidas, soube que ali estava estabelecida a Vaidade. Na casa de Vaidade, a tagarelice era tal que o som do vozerio era ouvido a alguns quarteirões de distância. Em troca de um farrapo pintado, na casa da Vaidade ficavam enterrados e presos o pensamento altruísta, a virtude, o temor de Deus, o sentimento de família, o amor aos filhos, etc...
Apesar de ser maior o número de mulheres que frequentavam a casa da Vaidade, contudo ali havia de tudo: homens, crianças, moças, moços, todos confundidos em redor de um bazar satânico que atrai para longe de Deus.
Outro negócio muito próspero é o dirigido por De­sonestidade; tinha representantes até nas repartições oficiais, e dizia-se à boca cheia que somente os bons cris­tãos não eram influenciados por esse cancro social.
Maledicência atravancava as ruas com sua merca­doria infamante, fazendo concorrência direta ao negócio de Imprudente.
O Prazer-Mundano possuía maior cadeia de estabe­lecimentos no gênero, os quais funcionavam noite e dia, retendo, escravizados, os habitantes, para que não pen­sassem em Deus e se convertessem a Jeová.
A Covardia, associou-se aos negócios de Malícia, cujo objetivo era lançar na praça os artigos da última moda produzidos por Calúnia.
A lista dos negociantes da cidade do pecado, é ex­tensa, por que continuar? De quando em vez, a farândula infernal deslizava pelas avenidas numa exibição de obras das trevas, expulsando qualquer virtude que en­contrasse em seu caminho.
Bom-senso ficou muitíssimo admirado com o pro­gresso do Clube da cidade, dirigido por uma senhora que se chama Hipocrisia. O clube era mais freqüentado por homens do que por mulheres, porém todos os habitantes possuíam título de sócio, pagavam a mensalidade, rece­biam sua literatura e faziam propaganda de seu pro­grama .
Era neste clube que se reuniam os políticos de todos os partidos. Era ali que se traíam uns aos outros entre sorrisos sem côr e apertos de mãos contaminadas. O tí­tulo do Clube expressava as finalidades — Hipocrisia — e os sócios, coerentes com os estatutos do mesmo, para serem bons sócios, eram grandes hipócritas e os melho­res, atraiçoavam os companheiros.
Um dos negócios mais ativos na cidade pertencia a um sujeito que se chama Embriaguez. O número de tabernas era tão grande, que Bom-Senso perdeu a conta das que viu. Em todas elas a freqüência era sobremodo elevada. Em algumas o álcool fazia com que os fre­gueses que se excediam, imitassem os suínos; não po­dendo suster-se em pé, deitavam-se pelos cantos ou estiravam-se nas calçadas das ruas. As cenas que se passa­vam nesses antros eram as mais tristes e mais como­ventes diante de Deus, mas o Diabo transformou-as em atração para seus vassalos. Então transformar em ál­cool nojento e corruptor o pão da esposa e dos filhos famintos é coisa que divirta alguém?
Espojar-se na lama ou fazer-se imitador de macaco é alguma atração honesta? Mas tudo isto acontece na casa de Embriaguez, porque ali o Diabo vive dentro de um copo cheio que é sorvido com avidez.
Ante cenas tão confrangedoras, Bom-senso, apesar de haver observado apenas uma pequena parte da ci­dade, estava atônito, pois jamais em tempo algum o pe­cado se havia amontoado como agora.
Estava resolvido a fugir daquela Sodoma, quando viu bem perto de onde estava, o que lhe parecia ser um templo, e muita gente entrando e saindo do mesmo. Sem perder tempo, Bom-senso encaminhou-se para lá, pen­sando encontrar ali pessoas que amassem a Deus, dispos­tas a recebê-lo. Fêz algumas perguntas aos que entra­vam e saíam do Templo, mas ninguém o entendia. Todos fechavam o semblante quando ouviam falar em Deus Pai, em Jesus Cristo, Seu Filho, e no Espírito Santo. Por fim entendeu que aquela gente havia aprendido no Clube da Hipocrisia, a usar uma capa que se chama re­ligião, que se vendia ali, mas que não tinha relação al­guma com o verdadeiro caminho da salvação.
Aflito, Bom-senso, quis saber que restaria dos cris­tãos que em tempo habitavam a cidade e que adoravam a Deus em espírito e em verdade.
Dirigiu-se a uma senhora que passava na ocasião e perguntou-lhe se naquela cidade não morava algum cris­tão, se não restava coisa alguma do povo salvo. Mal hu­morada, a senhora interrogada que tinha por nome Incredulidade, respondeu: Esse povo que o senhor pro­cura é composto de fanáticos. Noite e dia esse povo ator­menta toda a gente, falando de Deus, do céu, das bem-aventuranças, cantando, louvando ao que eles dizem ser o Criador, e afirmando que há inferno. Veja se é pos­sível tolerar essa gente nesta cidade de costumes tão di­ferentes. Esse povo que o senhor procura não pertence a esta cidade. Eles mesmos proclamam essa verdade, di­zendo que são peregrinos, que estão de passagem, para a pátria celestial. Se não fosse o fato de estarem de pas­sagem, como dizem, já as teríamos apedrejado, mas como esperamos que eles saiam daqui, só por isso os tolera­mos. Eles estão por aí, são poucos, mas ainda assim, são demais para falar com tanta insistência numa tal Ver­dade que ninguém deseja conhecer.
Bom-senso tomou alento e regozijou-se por haver Deus conservado alguns que não dobraram seus joelhos diante de Baal, e seguiu em busca de alguém que te­messe ao Senhor. Aproximou-se de um rapaz e pergun­tou-lhe pelo povo cristão. O rapaz olhou-o com admira­ção e disse: O senhor parece ser estrangeiro; talvez não saiba que me chamo Ateu e que, como todos os habitan­tes desta cidade, detesto os cristãos.  
Eles são conhecidos até pelo olhar. Siga até à Ave­nida da Graça e ali encontrará quem procura.
Logo à entrada da Avenida da Graça, Bom-senso viu que alguém o olhava, e esse olhar fêz-lhe pulsar o coração, logo que pousou sobre ele. Aproximou-se para Fazer uma pergunta e teve a surpresa de ser entendido, pois ali falavam a linguagem dos anjos, tinham a comu­nhão do céu; estava entre cristãos e podia dar expansão fio seu júbilo e cantar aleluias.
A nova de que Bom-senso havia chegado, correu célere de boca em boca e dentro de pouco tempo, um culto em louvor a Deus se realizava, pela chegada de um irmão.
Agora, amigo leitor, ao chegarmos ao fim deste ca­pítulo, talvez suponhas que o assunto seja apenas obra de fecunda imaginação, ou coordenação de pensamentos que não passam do terreno da ficção.
É possível que desejes saber onde está situada a ci­dade do pecado, e se de fato existe essa estranha socie­dade. Entretanto, basta olhar para as condições morais e espirituais da sociedade em que vivemos, para te certificares de que essa cidade está bem perto de ti.
A cidade do pecado é o mundo sem Deus. São as nações que não praticam a justiça. São as cidades que recusam a mensagem de salvação, as vilas que rejeitam o Evangelho e os corações que se endurecem para Jesus, e não querem pensar no país da bem-aventurança onde vive e domina a fé.
Examina se o estado do mundo atual é melhor do que a descrição que fizemos da cidade do pecado, e verás que em certos casos a realidade é mais forte do que a descrição.

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